sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Dois soar num hotel


Um recepcionista de hotel está agora mesmo digitando, sentado sob um teto aparentemente seguro; sobre uma cadeira confortável, de rodinhas e giratória. Na geladeira do hotel tem frios, talvez tenha suco e com frequência sobra bolo do café da manhã. Se quiser, pode comer, moderadamente mas pode.
A campainha soa.
- Oi. Eu sou um morador de rua. Eu moro na rua. Sê vai num lugar e no outro em busca de ajuda, ninguém te ajuda. Ninguém ajuda ninguém. Sê vai na prefeitura manda cê pra lá, cê vai prá lá manda cê protocanto. Eu precisava duma ajuda... aqui em baixo tem um lugar que tá cobrando... cobrando, cê acredita num negócio desse, cobrá da gente que num tem nada?... dexa a gente tomá banho, de 1 minuto por R$5,00... Eu tô só com moeda. Sê pudia me ajudá?
O rapaz responde que é empregado e que não pode dar dinheiro do hotel que dá problema e não é certo.
- Esse é o problema das pessoas... Eu tô aqui pedino... pedino procê... Num tô pedino nada pro teu patrão e eu sei que cê num pode tira dinheiro daqui. Sé mandado embora e sê nem vai fazê isso; se fizé é burro, porque vai fazê errado pro zoto? fazê errado a gente faiz pra gente se se lasca ta lascano porque é pra gente... não pro zoto. Num sô tonto! Eu vô nos hotel e peço pro dono dexá eu tomá um banho, digo que não vô usá sabonete, qué só pra tirá o chero ruim... O cara fala pra mim qué empregado, eu vendo uns anel de ôro no dedo e o carrão dele que ele entra... Empregado? Cê tudo bem, sê é novo e nem tem pinta: é impregado memo; mas cê vê co cara num é e tá falano que num pode porque o negoço num é dele?! Agora é isso co ceis num entende: tô pedindo pro ceis ajuda, pro ceis; ninguém ajuda!
Aí o moço, mesmo comovido, diz que não tem dinheiro, e que se tivesse não daria, porque perdeu a mãe quando ela ainda era jovem, com 29 anos e ele ainda com 7, no alcoolismo e nas drogas. E que não gostaria que dessem dinheiro pra ela se matar; que se tivessem dado outras coisas que não o dinheiro talvez ela estivesse viva.
Mas se quisesse um pão lhe dava; dinheiro não.
- Pode ser, Já ajuda.
Vai lá dentro. Coração doído demais. Prepara uns pãezinhos e enche um copo descartável de café, morno. Abre a porta e lhe entrega.
O rapaz aceita.
Mas antes que ele se vá o recepcionista diz palavras bonitas pro homem, que se confiasse em Deus e lutasse ele sairia dessa vida, dessa dificuldade e que não precisava terminar como a mãe dele...
- Num tô e num sô  igual sua mãe...
O recepcionista tenta se corrigir com outras palavras...
- Não! Foi o que cê falo preu agora! Co sô igual sua mãe, e num sô não, se engana!
Só vô embora porque cê foi legal e num quero te xinga, senão ia te fala um monte de coisa, que num quero fala... se foi legal, mas inda tem uma ideia muito errada...
E se vai.
Uma parte do recepcionista fica, a outra ele leva, sem pedir, sem avisar.
Dói.
O recepcionista entra. Está agora mesmo, pensando, jogado sob um teto completamente inseguro; sobre uma cadeira desconfortável, de rodinhas paradas e giro zero. Na geladeira do hotel tem frios, talvez tenha suco e com frequência sobra bolo do café da manhã. Se quiser, pode comer, moderadamente mas pode.
Mas não vai. Não hoje...
O silêncio soa, ensurdecedor.
A noite lá fora se esconde, constrangida; e o coração do trabalhador alienado tapa os olhos, tentando não ver em si a podridão do homem.


Nascimbene, 2016.

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