sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Um dia, nesse dia


Um dia vocês acordarão reclamando do calor infernal das telhas brasilites sobre você e sua esposa e procurarão o ventilador doado pela família, mesmo que irritados com o consumo de energia elétrica, que será de alto custo nesse dia... Você, homem, sairá de casa reclamando porque a mulher não cozinhou feijão e nem cozinhou legumes... Você, mulher, estará estressada porque o homem reclama de tudo e por ter que cozinhar feijão - que está na dispensa - mesmo sem estar disposta a fazer...
Um dia seu sogro se irritará por ser incomodado por um rapaz que vaga pela ruas e dorme num carro condenado ao ferro-velho, em frente à casa da família que um dia se chamou sua... Ele pedirá ao seu sogro que passe músicas pra ele num cartão de memória que tem...
Nesse mesmo dia seu sogro lembrará que ele tem conhecimentos de eletrônica e que sua filha agora a pouco deixou cair o ventilador no chão, desmontando-o; e, nesse mesmo dia, pedirá a essa rapaz que o conserte, por favor...
Nesse mesmo dia ele consertará o ventilador e o trará melhor que quando ganharam do sogro, funcionando perfeitamente, firme no seu eixo...
E quando a mulher falar ao pai que não tem dinheiro para pagá-lo, ele irá ouvir - e sorrir: porque na verdade ele só quer mesmo é um prato de comida... E se ela se oferecer pra fritar um ovo dirá que não se incomode, porque arroz e feijão já bastam...
A mulher, nesse dia, no frigir dos ovos, sentirá vergonha...
O homem, nesse dia, em frente ao ventilador, sentirá vergonha...
O sogro, nesse dia, sob o arcondicionado, sentirá vergonha...
O calor das brasilites sentirá uma fria vergonha...
O consumo de energia elétrica sentirá vergonha...
O feijão da despensa sentirá  vergonha...
O dia, um dia, nesse dia, sentirá vergonha
A vergonha sentirá vergonha...
Mas o homem, nesse dia, terá matado sua fome.


Nascimbene, 2016.

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