sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Duas senhoras num ônibus


A primeira senhora está dentro do ônibus e vê quando ele para e recolhe pra dentro a segunda senhora, sua amiga, .
O morista, sendo conhecido de ambas as senhoras, brinca com a que está pra passar a roleta e a cumprimenta:
- Oi, tudo bem?
- Tudo... Mas você quer me atropelar é?
- Claro! Já aproveito e dou uma carona até o cemitério!
Ambos riem. A primeira senhora ri e acena para segunda:
- Venha aqui, deixa esse motorista velho e babão pra lá...
Quando a segunda roda a roleta parece desfazer uma barreira que havia entre elas até o momento, porque a euforia se torna tamanha: abraçam e beijam-se, com gritinhos e tapinhas...
- E aí, amiga, tudo bem?, pergunta a primeira.
- Tô ótima, e você?
- Hm, Graças a Deus, muito bem também! - e sorriem, alegres - E o velho? - continua a primeira, mais baixo, como quem confidencia um segredo.
- Ah! - suspira a companheira - Aquele não tem mais jeito! Quebrou a outra perna! Já tinha quebrado uma, estava com o pulmão ruim e resolveu quebrar a outra pra ajudar...
Ambas riem.
- E ele não melhorou nada então? - pergunta a segunda, mais descontraída.
- Melhorar? - questiona a segunda, com uns olhos abertos, surpresa - Não, não! Aquele só a morte da jeito, amiga! Não come, não bebe e só reclama...
- Nossa... Mas e a mulher?
- A mulher: aquele tá nem aí não...
- Mas e os filhos?
- A filha, quer dizer... Os outros não estão nem aí e agora ele brigou com a filha e ficou sem ninguém... - e erguendo os ombros - Restou só eu!
- Mas é muito difícil ele? - torna a perguntar a primeira, atenta.
- Ah, nem posso culpá-lo... Aquele homem nem para mais em pé... Por dentro tá tudo ruim!
- Mas que deu nele mesmo? Foi a bebida?
- Sim, foi a bebida, sim... Por isso o filho não quer saber...
- E o irmão dele?
- Diz que ele caçou com as mãos, que se vire... - balança a cabeça - Aquele é um outro sem-jeito!
- Já virou cirrose o dele! Certeza! - conclui a primeira.
- Não sei, mas pode ser que sim, porque ele tá bem ruim... - apoia a segunda.
- Por que que não morre, não é? - torna a primeira, simplista.
- Ah, quando não é hora num é hora: é assim mesmo que é...
- Ainda bem que tem você pra aguentar... - conforta-a a primeira.
- Quê? Eu? - ironiza a segunda - Eu não quero que minha alma vá pro céu não, só minha alma não... Quando for quero que eu vá de corpo inteiro!
Ambas riem.
Ambas dão sinal e descem no mesmo ponto.
O motorista de despede e ainda brinca uma última vez, no que as senhoras riem e, logo em seguida, embalam a conversar o mesmo ou um outro assunto...


Nascimbene, 2016.

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