sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Cardiomegalia

Se um dia já fui má
pessoa, me desculpe:
pequeno era meu coração
e imune -
imune à dor
do medo
da morte
do cessar da vida,
imune à lagrima,
caída.

Se te deixei chorar
amargamente

num canto;
e se ao invés
de amor
te dei somente
pranto;
e no teu colo
deitei brasas
acesas,
vivas;
não, não me culpe -
já me baste a vida!

É que as salas
de meu peito,
de meu coração,
tão retraídas
se encontravam
e tão sem emoção;
eram como as de noites
de festa, vazias,
sem fazer jus
a tua companhia.
E todo choque
que me choque
chocará jamais
como esse choque
que me mata
e me faz viver mais...

Se ontem era
uma bomba déspota
vadia;
vazia,
sem sombra de dúvida -
mas sombra de dívida,
e fria;
hoje é mais fraca
e forte,
é poderosa,
sadia,
trabalhadora
como as mãos que roçam
a roça bravia.
Sobra agora
essa hora tênue -
quão corredia!

Meus dedos
tateiam o vulto
das boas coisas,
deixando cair as outras
e recolhem risos;
se dobra a hora,
se dividindo
em minutos findos -
que temia.

Se acaba agora,
que eu vivera (só reclamar sabia)?
Se acaba agora,
que obtivera (se só grunhia)?
Se me rompesse
agora
este peito meu,
se minha vida
agora
recolhesse Deus:
que eu faria
pra resgatar minha vida
e que presente
a Morte me traria?
Se nem as cãs me caem
sobre a testa;
e se nem vi meus filhos
todos bem;
e se meu neto ainda
nem caminha -
porque a Ela eu diria:
"Vem"?

Morra eu ontem
ou mate-me o amanhã,
o agora vivo
como nunca;
se feriado,
seja qual for o dia,
segue ela, Cardiomegalia.

Agora posso sofrer mais
pra amar,
mas há mais espaço
pr'amor entrar.


Nascimbene, 02/2017

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